segunda-feira, 19 de abril de 2010

Esse aqui é um texto antigo (de 2003, eu acho!) mas que eu considero muuuuito classe A. Com inspiração no mestre Moreira Campos:



O VELHO HOMEM
         O velho homem chegava ao bar, os mesmos rostos, a mesa de madeira antiga, lascada nas pontas, o balcão com o vidro já quebrado e nas prateleiras algumas bebidas envelhecidas pelo esquecimento.
         O homem cumprimentou com a cabeça o dono do bar. O homem vestia-se como sempre: camisa de botão, calça escura, chinelos e a boina verde surrada, tinha braços longos e mãos fortes de trabalhador do campo. Vivia só, numa casa que há muito fora freqüentada  por sua barulhenta família; preferiu o isolamento desde que a esposa e o único filho morreram. As filhas, já casadas, foram viver suas vidas na cidade, não suportavam o tédio da grande casa circundada pelas flores, únicas confidentes do pai. Para as filhas, o pai tinha se tornado um estranho, que não queria falar com ninguém. Manias de velho. Acostumou-se com a solidão ensombrada pelas grandes árvores do sítio.
         Os freqüentadores do bar e da pequena cidade - de uma entrada e saída - conheciam o velho homem, desde pequeno. Nos tempos de fartura, brincara nas alamedas íngremes. Imutáveis. O pai do velho homem era agora uma placa apagada numa rua que não vai a lugar algum. Mas antes ajudara a construir a cidade, erguera casas, emprestara dinheiro, financiara o crescimento de uma cidade que desde sempre serviu de passagem aos visitantes e cada um destes levavam um pedaço dela, até sobrarem lembranças, dívidas, o velho homem e o bar.
         O velho homem era de poucas palavras, suas filhas lhe obedeciam apenas no olhar, as pessoas tinham-lhe respeito, no mesmo bar de hoje fora cortejado, querido. Hoje é apenas um vulto que recebe ligações marcadas e somente em dias especiais. A filha mais nova ainda o visitava, falava das netas, das irmãs.                         
         O velho homem ouvia as notícias  e expressava algum contentamento. Mas essa filha parecia demais com a falecida esposa, trinta anos de união. Chegou a expressar a semelhança da filha com a mãe numa rara festa familiar. Solidão.
         A mulher e o filho morreram num acidente. O velho homem dirigia o carro. Luzes, estrada longa, sono, um barranco; ele saiu ileso. As filhas mais velhas ignoraram as razões do acidente, a dor e a culpa estavam no pai, o alvo era próximo, ninguém o ouviu, não havia ninguém para contar a verdade.
         Enquanto olhava as  mesmas árvores, bebia uma dose de aguardente. O dono do bar, quase de mesma idade, brincara com o velho homem quando criança, mas hoje esse homem forte e cansado era apenas uma lembrança. O pedido e o horário eram os mesmos, para ambos bastava esse contato, uma ou duas palavras, uma conta, as cédulas gastas. O copo vazio, um cumprimento, uma sombra. Enquanto o vento frio anunciava um longo inverno e o sol se escondia atrás das montanhas.

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